Vai sobrar pra ela (e para nós)
Quando nós, mulheres, nos deparamos com um macho-escroto beijando à lona depois de ser nocauteado pelo próprio machismo é inegável o regozijo, a alegria e a vontade de espezinhar até o último suspiro. Eu, quando posso, faço isso e recomendo.
Nos últimos dias visualizei nas minhas redes sociais uma enxurrada de textos e “memes” os quais tinham uma mensagem em comum: “Bolsonaro é corno”. Sim, o grande exemplar do machismo silenciador e assassino deve estar se contorcendo e desejando uma facada certeira, dessa vez. Como eu disse, ver um machista tomando do seu próprio veneno, neste caso, recebendo a humilhação pública e a exposição da sua privacidade me causa uma sensação intensa de revés e esse é um gozo que nenhuma feminista se furta de sentir.
Entretanto, precisamos ter cautela quando a narrativa vexatória que expõe o machista também expõe uma mulher. Quando somarem, dividirem, multiplicarem e chegarem a um resultado, a única pessoa que será diminuída é a odiosa mulher infiel que rechaçou o voto de fidelidade ao seu marido. E, de repente, como em um conto de fadas em alguma realidade paralela onde tudo é verde e amarelo, todos os holofotes e interrogações se voltam contra àquela que nem mesmo terá espaço para expor sua versão dos fatos. “Mas, o que há de se dizer?”, muitos questionarão. Nada, absolutamente nada será capaz de aplacar o ódio dispensado àquela mulher que, naquele exato momento não é nada além de um gênero que deveria se portar como submisso, menor e sem vontades próprias.
Cumpre destacar que trata-se de mulher branca cis-hétero-normativa que se define como cristã. Por algumas destas características as pedras deixarão de ser lançadas contra ela – ou contra qualquer uma de nós? Sabemos que não. Não é pela primeira-dama-do-golpe e nem pelo ex-marido inábil supostamente traído. É por todas nós que devemos manter nossos olhos abertos e corpos fechados para as armadilhas do machismo.
De uma forma ou de outra, o plano de nos matar seguirá à risca cada mínimo detalhe de sangue e dor – na ambiência pública ou privada. Precisamos estar atentas para não fornecermos munição aos inimigos e, acima de tudo, continuar nos enxergando também coletivamente.

*Daniele Britto
Advogada e Jornalista
Mãe, feminista, antirracista e aliada na luta contra a homotransfobia
Pesquisadora no grupo Corpo-território Decolonial (Uefs)
Mestranda PPGE/Uefs